A Doença de Alzheimer está longe de ser uma doença totalmente compreendida pela ciência, e uma área que busca o conhecimento mais apurado da doença e suas causas é a genética. A vantagem de identificar as pessoas que correm um alto risco de sofrer Alzheimer seria de enorme valor no desenvolvimento de tratamentos de intervenção.
O estabelecimento da DA deve-se ao acúmulo de eventos genéticos e do meio. Cada um desses eventos contribui com pequenos efeitos que resultam, em conjunto, no estabelecimento da doença com diferentes graus de severidade. O fator genético é considerado atualmente como preponderante na etiopatogenia da DA entre diversos fatores relacionados. Além do componente genético, foram apontados como agentes etiológicos, a toxicidade a agentes infecciosos, ao alumínio, a radicais livres de oxigênio, a aminoácidos neurotóxicos e a ocorrência de danos em microtúbulos e proteínas associadas. É interessante ainda salientar que estes agentes podem ainda atuar por dano direto no material genético, levando a uma mutação somática nos tecidos.
Uma intrigante associação entre a DA e a síndrome de Down levou à descoberta do primeiro gene da DA no cromossomo 21, que é o cromossomo extra, envolvido na síndrome de Down. Indivíduos com síndrome de Down apresentam envelhecimento prematuro e praticamente todos apresentam doença de Alzheimer, clínica e neuropatologicamente confirmada, entre 40 e 50 anos de idade.
Sabíamos que mutações nos genes codificadores para a APP [Amyloid b (A4) precursor protein], apoE (apolipoprotein E), PSEN1 (presenilin 1) e PSEN2 (presenilin 2) são consistentemente associadas com o estabelecimento da DA. Esses genes localizam-se em diferentes cromossomos e pelo menos alguns deles devem participar de uma via neuropatogênica comum, que culmine com o desencadeamento da doença. Esses quatro genes eram, até pouco tempo, os mais importantes e mais consistentes marcadores para a DA.
ApoE
Uma das primeiras alterações moleculares associadas com o estabelecimento da DA foi o polimorfismo da apoE (19q13.2) na sua variante denominada E4. O envolvimento do alelo e4 com o desenvolvimento da DA em casos esporádicos e familiais, assim como o fator protetor do alelo e2, são achados sólidos repetidos em diversas populações, incluindo um recente estudo em amostra brasileira. O reconhecimento de que alelos polimórficos da apoE acarretam uma predisposição maior para o aparecimento da DA sugere que outros genes também possam atuar na patogênese da DA.Esse alelo está representado em excesso nos indivíduos com DA, quando comparados com a população em geral. A herança de um ou dois desses alelos eleva até cinco vezes a probabilidade de desenvolvimento da doença. Porém, devemos lembrar que a variante e4 do gene apoE é um fator de risco e não uma causa determinante de DA. Existem indivíduos que possuem os dois alelos de apoE na forma e4 e não apresentam DA, e também indivíduos que apresentam apenas alelos e2 ou e3, mas encontram-se acometidos pela DA.
APP
Três genes foram identificados como responsáveis pela forma rara da DA de início precoce: o gene da APP, o gene da PSEN1 e o gene da PSEN2. Entretanto, mutações nesses genes são responsáveis apenas por 5% do total de casos de DA. Os 95% restantes são, na maioria, casos esporádicos de início tardio, com etiologia complexa devido a interações entre componentes ambientais e genéticos.
O processamento da proteína APP resulta em fragmentos de Ab de 40 e 42 aminoácidos, respectivamente. O fragmento de 42 aminoácidos é neurotóxico, e seu acúmulo resulta na formação de fibras amilóides e posterior acúmulo, formando as placas senis. Estudos sugerem que a redução no nível ou atividade dos fragmentos de APP, juntamente com o acúmulo de Ab, poderiam ter um papel crítico na associação da disfunção cognitiva associada à DA, particularmente em estágios precoces da doença. A partir desses dados, fica claro que fragmentos de APP, incluindo Ab, podem exercer uma poderosa regulação em funções neuronais básicas, como excitabilidade celular, transmissão sináptica e long-term potentiation. Assim, esses fragmentos devem estar relacionados à regulação também de comportamentos como aprendizado e memória. O peptídeo fibrilar Ab é depositado extracelularmente em forma de placas na amígdala, hipocampo e neocórtex de indivíduos afetados pela DA. Fragmentos intracelulares de APP ligam-se a fatores de transcrição e são transportados para o núcleo, onde passam a influenciar a transcrição. A regulação da proteólise de APP é dependente da atividade de um complexo protéico multimérico, cujos principais componentes são as presenilinas, a nicastrina, a PEN-2 e APH-1).
PSEN1 e PSEN2
Uma das abordagens para a identificação de genes envolvidos com a DA consiste na busca de regiões cromossômicas que sejam constantemente herdadas junto com a doença, o que faz com que essas regiões estejam "ligadas" à doença. Os chamados estudos de associação estabeleceram o envolvimento de algumas regiões genômicas, tais como uma região do braço longo do cromossomo 14 e, por clonagem posicional, um novo gene foi identificado, a PSEN1 - 14q24.3. Mutações na PSEN1 são responsáveis por 18% a 50% dos casos de DA com início precoce. Algum tempo depois, um gene homólogo, denominado PSEN2, foi identificado no cromossomo 1 (1q31-q42) e apresentou-se mutado em alguns casos de DA. Esses achados foram de extrema importância na elucidação da patogênese de DA, uma vez que é postulado que as presenilinas regulam o processo de formação de APP pelo seu efeito de gama-secretase, uma das enzimas que cliva APP.
Porém, recentemente, dois grupos de cientistas, um do Reino Unido e outro da França, deram um grande passo nas pesquisas sobre o mal de Alzheimer, ao identificar três novos genes relacionados à doença, o que pode reduzir em até 20% seus índices de incidência.
À frente da equipe de pesquisa sobre o tema no Reino Unido, Julie Williams, professora da Universidade de Cardiff, afirmou que se trata “do maior avanço conseguido na pesquisa sobre Alzheimer nos últimos 15 anos”. Os pesquisadores asseguraram que se as atividades dos genes descobertos forem neutralizadas, poderiam prevenir, em uma área como a do Reino Unido (com uma população de 61 milhões de pessoas), 100 mil novos casos por ano do variante mais comum do mal de Alzheimer, sofrido em idade mais avançada.
A identificação destes três genes é a primeira desde 1993, ano no qual a APOE foi apontada como um fator de risco para o desenvolvimento da doença.
Dois destes três novos genes, denominados clusterina (ou CLU) e PICALM, foram identificados pela equipe britânica, e o terceiro, denominado receptor complementar 1 (ou CR1), pela equipe francesa.
O gene clusterina é conhecido por sua variada propriedade protetora do cérebro e, da mesma forma que o APOE, ajuda o cérebro a se desfazer dos amilóides, uma proteína potencialmente destrutiva.
A novidade é que, segundo o estudo, estes genes também ajudam a reduzir as inflamações que danificam o cérebro, causadas por uma excessiva resposta do sistema imunológico, função que compartilha com o CR1.
As placas senis são constituídas principalmente por depósito de bA4-amilóide. O bA4-amilóide é uma proteína (podendo variar de 40 a 43 aminoácidos) originada de uma proteína muito maior, a "proteína precursora de amilóide" (PPA). O gene que codifica a PPA localiza-se no braço longo do cromossomo 21 e apresenta 18 exons (parte do gene que vai codificar para uma proteína). O splicing (cortes realizados na molécula de DNA para o processamento do RNAm) pode ocorrer de uma forma alternativa com a retirada dos exons 7, 8 e 15, gerando oito transcritos diferentes (isoformas de transmembrana) que parecem participar da adesão celular e do crescimento neuronal. Uma vez sintetizadas, essas proteínas são transportadas para a superfície celular, sendo clivadas por uma a-secretase (dando origem a um produto não-amiloidogênico) ou por uma b-secretase e g-secretase e podendo dar origem a um produto amiloidogênico. Quando essa clivagem ocorre no resíduo 712/713 do terminal carboxi, dará origem a uma proteína de 40 aminoácidos ou bA40, enquanto a clivagem na posição 714 dará origem a uma proteína com 42-43 aminoácidos ou a bA42/43, que é amiloidogênica.
No entanto, inúmeros estudos apontam para papel importante de outros genes, fortalecendo a hipótese de uma doença poligênica e multifatorial. Neste sentido, novas abordagens de estudo têm um futuro promissor, podendo indicar uma vasta população de genes ou alterações moleculares que possam explicar o surgimento da doença, vindo a fornecer as bases para a compreensão da DA e também para o delineamento de novas e mais eficazes abordagens de tratamento ou prevenção da doença.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-60832004000100004&script=sci_arttext&tlng=en
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