sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Um caso de Alzheimer

Lembro-me da minha querida Vovó Zelina... Quando criancinha, eu gostava muito de ficar ao seu lado enquanto ela ia vagarosamente para frente e para trás em sua cadeira de balanço. Vovó era alta, magrinha, cabelo branquinho... recordo também que a achava muito bonita e cheirosa. Ela morava em uma cidade do interior e minha família a visitava várias vezes ao ano. Não sabia exatamente o porquê, mas eu tinha um amor e carinho muito grande por aquela velhinha, que, sem parecer se importar muito, nunca retribuía os abraços, apertos e beijos que eu gostava de dar nela.

Papai sempre me contava como havia sido a vida de vovó no passado, que a situação não foi sempre a que eu costumava ver. Mulher temente a Deus, muito trabalhadora, professora; tinha criado nove filhos. Inteligente, e muito respeitada por toda a cidade por sua conduta. Ele me explicava que, depois de mais idosa ela havia adquirido uma doença muito séria que a tinha deixado assim, quietinha, e sem lembrar-se de ninguém, nem de nada. Dependendo de outras pessoas para fazer praticamente tudo, até para comer. Houve algumas vezes que ela abriu o portão de casa e foi dar uma passeada pela cidade, só que não sabia como voltar...
Mas para mim, ela não era apenas uma idosa doente que precisava de cuidados especiais; o que era bom mesmo era falar e ficar sentado ao lado dela, pegando em sua mãozinha fina e enrugada, mesmo que obtendo nada em troca, além de muita desatenção.

Uma das minhas tias conta que um dia houve um leilão para arrecadar fundos na igreja da cidade em que vovó morava, e no meio dos prêmios, havia um enorme e lindo bolo de chocolate com cobertura, pronto para ser arrematado. Eu, ainda bem pequenininho, olhei para aquele bolão e fiquei maravilhado. Foi então que com muita inocência dei um lance, mesmo sem ter muita noção que alguém teria que pagar depois... E quem pagou, arrematando o bolo para mim, foi um dos meus tios. Foi uma sensação indescritível. E, impacientemente, fiquei insistindo para que meu pai me levasse logo para casa para que eu pudesse comer um pedaço. Cheguei em casa e logo pensei na minha vó, ela estava sentadinha na mesa da cozinha, então coloquei o bolo na frente dela. Muito animado falei: "Vovó, esse bolo é para nós dois!". Quando voltamos com a faca e os pratos para cortar, ela já tinha colocado o dedo no bolo e provado um bom pedaço. Fiquei chocado e, todo valente, disse: "Vovó, não pode colocar o dedo, tem que esperar cortar o pedaço". Foi aí que ouvi a única frase que eu lembro da minha vó ter falado diretamente para mim: "Ô menino feio!"...

Vovó Zelina morreu em 2005 com oitenta e quatro anos. O Alzheimer e seus sintomas a acompanharam fortemente desde o tempo que tenho minhas primeiras recordações dela. Que os que sofrem dessa doença possam obter o mesmo cuidado e ser tratados com o mesmo carinho que minha vó recebeu da família...

De um neto com saudades de sua avó,
Vitor