sábado, 7 de agosto de 2010

Em busca da pilula da memória

"Um estudante lê um texto diversas vezes, repete em voz alta e faz anotações, na tentativa de aprender fatos, datas ou conceitos e recordá-los horas ou dias mais tarde, no momento de uma prova. Na véspera de um exame, muitos jovens gostariam de ter à mão uma 'pílula da memória' ou 'pílula inteligente', um medicamento que pudesse facilitar a função cognitiva e ampliar a capacidade de adquirir, armazenar e recordar informações, tornando mais fácil e rápido o árduo processo de aprender pelo estudo.

A conveniência do uso de pílulas por indivíduos novos e saudáveis para tentar ampliar a capacidade de aprendizado e memorização é tema para debate. No entanto, tais medicamentos representam uma necessidade real e uma enorme esperança para as pessoas afligidas pela perda de memória que acompanha o envelhecimento, a doença de Alzheimer e outros tipos de doenças neurológicas e psiquiátricas. De fato, a busca da 'pílula da memória' é hoje um dos grandes desafios da pesquisa médica, concentrando os esforços de vários laboratórios em universidades, empresas de biotecnologia e indústrias farmacêuticas.

Apesar dos espetaculares avanços no entendimento das bases biológicas da memória obtidos pelos neurocientistas, especialmente nas últimas duas décadas, não se pôde ainda encontrar nenhum medicamento que a auxilie na prateleira da farmácia mais próxima. Os efeitos de compostos que hoje são comercializados como facilitadores da cognição, como os suplementos fitoterápicos gingko biloba e ginseng, são controversos e muitas vezes decepcionantes quando avaliados em estudos clínicos rigorosos. Os medicamentos utilizados para o tratamento da doença de Alzheimer, como o donepezil, que aumenta a concentração do neurotransmissor acetilcolina, não melhoram a retenção de memórias de maneira satisfatória.

O desenvolvimento desse tipo de medicamento é complicado pela complexidade da memória. Por exemplo, não se sabe como facilitar de forma seletiva a capacidade de memorizar informações desejáveis sem ao mesmo tempo estimular a retenção ou a recordação de acontecimentos irrelevantes, desagradáveis, ou mesmo traumáticos. Além disso, algumas substâncias, como o hormônio cortisol, podem em determinadas condições estimular uma fase da memória (o armazenamento de informações), mas prejudicar outra (a recordação da informação já armazenada).

Apesar dessas limitações, talvez não esteja distante o dia em que um medicamento eficaz se torne realidade na prática clínica. Avanços na compreensão dos mecanismos moleculares que permitem a formação e recordação de memórias no cérebro têm permitido a identificação de compostos químicos que podem trazer benefícios de forma eficiente e segura. Alguns medicamentos já estão em fase experimental em humanos.

Um grande número de estudos em animais demonstra que a substância adenosina monofosfato cíclico (AMPc) é um mensageiro químico fundamental para a facilitação da transmissão nervosa e a formação da memória. Compostos que aumentam os níveis cerebrais de AMPc estão sendo testados como potenciais 'pílulas inteligentes'. Alguns deles já estão em fase inicial de testes em humanos.

O aminoácido glutamato é o principal transmissor químico que ativa os neurônios e dá início à seqüência de eventos bioquímicos que permite o reforço das sinapses e a formação da memória. O glutamato age ligando-se a proteínas nas membranas dos neurônios, os receptores glutamatérgicos. Compostos chamados ampakinas, que estimulam de forma seletiva os receptores glutamatérgicos, estão em fase adiantada de testes clínicos e apresentam resultados promissores para o tratamento de disfunções de memória associadas ao Alzheimer e outras doenças neuropsiquiátricas.

Várias outras famílias de substâncias são importantes para regular a capacidade do cérebro de formar memórias e poderiam servir como base para o desenvolvimento de novos medicamentos. Estudos feitos por nosso grupo de pesquisa indicam que peptídeos (pequenas proteínas) da família da bombesina, encontrada na pele de sapos, ou substâncias sintéticas semelhantes a eles, podem melhorar a memória em animais de laboratório e prevenir a perda de memória em modelos animais de doenças neurológicas. A corrida pela 'pílula da memória' começou. As vítimas de doenças neurológicas esperam pelo dia em que alguém consiga cruzar a linha de chegada."

Artigo retirado do site:
http://www.sciam.com.br/artigos/em_busca_da_pilula_da_memoria.html

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